sábado, 12 de junho de 2010

Até que a morte nos separe

Nem acreditava que enfim havia chegado em casa. Horas presa no trânsito, sentindo dores nas costas e nas pernas, os pés latejando dentro dos saltos e sentindo-se uma baleia aos nove meses de gravidez, já não havia muito de paciência com ela. Jogou-se no sofá e respirou fundo buscando um pouco do conforto do lar. Foi então que olhou para as malas prontas, ao lado da porta e as reconheceu de imediato. Eduardo apareceu andando calmamente pelo corredor.
- Luisa, você demorou...
Ela não respondeu, fixando o olhar nas malas. Começou a repassar em sua mente os ultimos seis meses. Meses onde se alternaram gritos, choro, copos quebrados e silêncios carregados de acusações.
- Luisa, precisamos conversar.
Silêncio. Não conseguia acreditar que estava acontecendo. Estava sendo abandonada pelo marido aos nove meses de gravidez. Não conseguia acreditar. Começou a sentir uma força subir do estômago e percebeu os olhos já marejados. Logo estaria aos prantos. Sim, logo estaria aos prantos e aos gritos. Como nos últimos meses de sua infeliz e não planejada gravidez. De repente, sentiu um lampejo de orgulho olhando para aquele belo homem parado a sua frente, vestido com roupas caras, usando sapatos italianos de couro e perfume importado. Tudo comprado com o dinheiro dela. Tudo. De repente a vontade de chorar e gritar começou a se transformar em um sentimento estranho, que ela até então não conhecia.
- Luisa, por favor... não vamos fazer disso uma novela. Você sabe que não temos mais condição de continuar com esse casamento... estamos nos matando! - silêncio - Olha, será melhor assim... eu já aluguei um apartamento e quando ela nascer, vamos dividir a guarda... - silêncio - Luísa, por favor... fale alguma coisa... - ela não conseguia falar.
Na verdade, sentia vontade de vomitar. Era isso, sentia vontade de vomitar olhando para seu belo marido, dez anos mais jovem. Como ele tinha coragem de fazer uma coisa dessas? Como esse homem sem qualquer talento, que não teria chegado a lugar algum na vida se não fosse por ela, estava tendo coragem de abandoná-la às vésperas de um parto de alto risco? Com certeza, o que estava sentindo agora poderia sim ser chamado de nojo. Muito nojo.
- Luisa! Páre com isso! Fale alguma coisa ou eu vou sair por aquela porta sem resolvermos essa historia como adultos. Eu vou pagar a pensão e você pode ficar com esse apartamento. Os outros bens nós resolvemos depois. Tudo que eu quero agora é apenas ir embora. Não precisa fazer essa cena de insultada! Não seja ridícula! - ridícula? Ele a havia chamado de ridícula? Quem esse homenzinho de merda achava que era?
- Eu posso ficar com o apartamento? - começou a falar calmamente - Você vai pagar a pensão? Também quer decidir sobre os outros bens? Estou curiosa Eduardo... sobre quais bens quer decidir? Não estaria esquecendo algo? Todos os meus bens foram adquiridos antes do nosso casamento, que por sua vez, ocorreu em regime de separação parcial de bens, ou seja, você não tem direito a nada, a nenhum dos meus bens ou propriedades. Deveria saber disso, alías, saberia, se não fosse um advogadinho tão medíocre. - terminou suspirando.
- Já vai começar com as agressões? Não pode ser adulta uma vez sequer? - respondeu alterando o tom de voz.
- Não Eduardo. Não vou começar. Não tenho mais paciencia para nada disso. Só quero uma coisa, aliás, eu nem sei porque quero isso mas, preciso que você reconheça que está com ela!
- Não começe!
- Eu sei de tudo! Sempre soube! Você e aquela secretariazinha desqualificada! Quer saber, não precisa dizer nada não... eu já sei de tudo mesmo! Tanto faz agora... vai, pode ir!
- Luisa! Ela não tem nada haver com isso... não é culpa dela... Marisa é uma pessoa boa... eu só me apaixonei! A culpa é minha se você precisa de um culpado... me culpe! - agora ele gritava.
- Eduardo, vá embora! - disse o olhando fixamente - Vá embora e vá viver sua vida com essa mulherzinha vulgar e oportunista. Mas espero que quando perceber que o que ela queria de você era o dinheiro que ela, tão burrinha como é, pensou que era seu, não resolva voltar. Não volte, pois não haverá porta aberta te esperando. - respondeu firmemente.
- Eu não vou voltar. Você pode contar com isso! - respondeu raivoso.
- Eu conto sim! Mas espero que você consiga viver sem a participação no meu escritório! Mas não me interessa saber como vai sobreviver sem o seu estilo de vida que eu financiei todos esses anos... - disse com um sorriso irônico nos lábios.
- Não se preocupe com isso. Eu vou sobreviver. E você ficará sabendo como eu me saí bem! Mas não se engane, ainda vamos nos ver muito! Ou você acha que vai conseguir me afastar de minha filha? Tenho direitos de pai Luísa!
- Sim, você tem direitos. Mas se fosse um bom advogado, tão bom quanto eu, saberia que qualquer direito pode ser contestado na justiça... e um pai que abandona a filha antes mesmo de nascer, que troca a esposa pela amante, não será visto com simpatia pelo juíz da vara da infância Eduardo... como você é tolo, meu Deus! Sabe... olhando agora, de onde eu estou, não consigo mesmo entender o que eu vi em você! Vá mesmo embora... vá...
- Luisa não precisava ser assim mas se você prefere dessa maneira então tudo bem! Adeus!
- Adeus Eduardo. - respondeu secamente olhando ele sair pela porta com as malas.
Quando a porta bateu, ela sentiu uma dor apertando o coração e aí sim, se permitiu chorar. Chorou compulsivamente, por algo em torno de uma meia hora. Foi então que começou a sentir as primeiras contrações. Chamou a empregada e pediu o motorista para levá-la ao hospital. Meia hora depois, quando passava pela entrada da emergência do hospital para ser encaminhada ao atendimento, o celular tocou. A empregada atendeu e avisou que a patroa não poderia falar e então o policial na ligação se identificou e começou a falar de um acidente envolvendo dois carros em um cruzamento. A empregada disse não entender do que ele estava falando e então o policial respondeu:
- Senhora, houve um acidente. Encontramos esse numero no celular da vítima. Precisamos falar com algum parente do senhor Eduardo Garcia.
- Eduardo? O seu Eduardo? Olha moço, a esposa dele acabou de entrar na sala de parto... o que aconteceu com o seu Eduardo moço?
Silêncio por alguns segundos e depois o policial respondeu:
- Acho que não é aconselhável avisar para a esposa dele nesse momento, mas o senhor Eduardo acaba de falecer em um acidente de carro.

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