Maria sempre tivera um irrefreável desejo de ser má. Quando criança se divertia em realizar pequenas travessuras envolvendo tapas nos amiguinhos da escola, beliscões nos primos mais novos e estragulamentos dos pintinhos da fazenda. Debaixo da brandura cálida de seu sorriso de menina, vivia em Maria uma verdadeira e inescrupulosa assassina da qual ninguém jamais desconfiou. Na adolescência, aliou-se a seu espírito maligno uma certa tendência à zombaria e à deliberada falta de respeito a qualquer posição hierárquica que lhe servisse de limite. A mãe sempre entendeu suas atitudes irrefreáveis como coisas da idade, e o pai nunca esteva lá muito presente para notar qualquer distúrbio de caráter que comprometesse a integridade de Mariazinha,como ele carinhosamente lhe chamava desde a infância. Nem mesmo as noitadas regadas a bebedeiras infinitas, os assaltos a lojas de conveniência e os roubos de carro pelos quais tiveram de responder judicialmente por ela, menor de idade que era então, fizeram com que estes generosos pais negassem seu amor, sua paciência e compreensão.
Um dia Maria cresceu. Sem fronteiras nem limites, Maria se apaixonou pelo bonito garçom que lhe servia vodcas num boteco de baixa procedência onde costumava passar as madrugadas. Depois de um tempo, Maria virou uma grande mulher: casada, bem amada, mãe e feliz. E nunca deixou de possuir aquele intenso desejo de matar, e é por isso que toda manhã depois da visita ao açougue, trata com frieza meticulosa e extremo vigor a carne que escolheu para o almoço, aquela que será a fonte de vida e de comunhão entre os seus.
A gente refreia os impulsos mais vitais -se considerados horrendos- para se adequar à norma. Aí as miudezas do cotidiano se transformam em espaços livres para uma manifestação de violência permitida. Precisamos de válvulas de escape. Tem gente que pratica boxe pra isso. Tem gente que assassina subjetivamente através do sexo. Tem gente que esconde cadáveres nas entrelinhas de palavras, tem gente que se suicida uma vez por dia na frente do espelho e tem gente que re-assassina com vontade um pedaço de carne. Tudo para manter a ordem.
ResponderExcluirEnfim, muito, muito bom.
Enfim, muito, muito bom!
ResponderExcluirÊ, Mariazinha!
ResponderExcluirAdorei esse! Tudo absolutamente normal, é a vida né?
ResponderExcluirBjo!