sexta-feira, 11 de junho de 2010

Confissões de uma ladra


Eu sou uma ladra, está no meu dna, meus pais eram também ladrões. Fui adotada muito cedo, me deram educação, mordomia, mas eu já disse: está no meu dna. 
Não consigo viver sem a aventura do roubo. Saio de casa sempre as escondidas, o mais sorrateira possível - na maioria das vezes, ninguém sequer notou que saí, ou que passei a noite fora. Quando percebem me perguntam, eu não respondo. As vezes, me repreendem, me ameaçam mas sempre conquisto a confiança e o carinho deles de novo - sou dissimulada, é minha natureza. Sei ser doce, gentil e carinhosa quando me é conveniente.
Já matei e já feri. Para sobreviver, para me defender e também para me divertir. Também já fui ferida, marginais como eu, não passam impunes pela vida. Psicopata? Talvez.
Não é fácil ser quem sou, sempre dividida pela segurança de uma família e pela sede insaciável de aventuras, novidades, excitação e medo. Claro que tenho medo. Medo de falhar, medo de ser pega, medo de ser morta. Mas não troco minha vida por nenhuma outra, não invejo ninguém. Sou forte, ágil, posso escalar paredes, ando em telhados silenciosamente, entro e saio sem ser notada levando o que me interessa, quase ninguém pode gozar de uma liberdade como a minha. Na noite sou invisível, posso observar por horas sem que me notem, só esperando o momento ideal.
Existem outros como eu, muitos outros. As vezes agimos em bando, mas somos seres solitários quase todo o tempo. Certa vez houve alguém, não se pode dizer que foi uma grande paixão. Sempre o via quando estávamos em bando. Naquela noite, fugíamos de um assalto mal sucedido e acabamos nos escondendo numa casa em ruínas, abandonada. No escuro nos tocamos, nos acariciamos e nos entregamos a um cio selvagem e ruidoso. Acho que outros também se esconderam por lá, eu os ouvia se esgueirando, gemendo, cada um deles se mortificando por não ter sido o primeiro a me tocar. Isso mesmo, sou um animal, me sinto um animal. Que me importa se outros presenciaram um momento de minha intimidade? Na verdade, me senti lisonjeada em ser desejada também por outros. 
Depois, soube que ele morreu, num roubo mixuruca, atacado por um rottweiler. São cães silenciosos, traiçoeiros. Para nós, um pesadelo, não desiste fácil quando consegue acuar sua presa. Eu, grávida. 
Minha família reagiu bem, como se já esperasse. Quando nasceram - sim, mais que um - não fiquei muito tempo com eles, meu instinto maternal durou tanto quanto o leite, quase nada. Como eu, também foram adotados e como eu, também estão condenados a serem ladrões e assassinos, porque é exatamente isso que nós, os gatos, somos: marginais domésticos, amados por alguns e odiados pela maioria dos seres humanos de quem roubamos e a quem perturbamos as tranquilas noites de sono, com nossos amores escandalosos e provocações aos seus queridos vira latas.

Para Juliano, com amor.

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